O homem morreu no sofá por José do Carmo Francisco

Em resumo 06

No dia 15 de Janeiro de 1992, uma quarta-feira, jogou-se em Torres Novas um desafio amigável entre as selecções «A» de Portugal e de Espanha em Futebol. O resultado final foi de 0-0 sob a arbitragem de um francês. O onze titular português integrava Vítor Baía, Rui Bento, Fernando Couto, Leal, João Pinto, João Vieira Pinto, Peixe, Oceano, Vítor Paneira, Jorge Cadete e Paulo Futre. Jogaram ainda Paulo Madeira, Paulo Bento, Carlos Xavier e César Brito. O treinador era Carlos Queirós. O jogo teve transmissão televisiva e, sentado num sofá frente ao aparelho, um homem morreu. Três dias antes ele tinha sido interpelado por uma prima à beira da estrada que liga Alcobaça a Caldas da Rainha sobre o facto de ter mandado colocar uma placa de madeira («Vende-se») na sua propriedade contígua à da sua parente que, sendo prima, era tratada como irmã uma vez que a família era pequena. A mãe desse homem tinha só uma irmã cujo marido era filho único. Além da mãe, do pai e da irmã, esse homem tinha na família nuclear a tia, o tio e quatro primos. Por essa razão saiu da formatura da Filarmónica, guardou o clarinete no estojo e nunca mais tocou nessa tarde de Domingo. Poderia ter morrido em Dadrá, em Nagar-Aveli, em Goa, em Damão, em Diu ou num campo de prisioneiros da União Indiana, podia ter morrido nas lágrimas da sua mãe que enquanto durou o seu sofrimento na Índia rezou todos os dias o rosário que é um conjunto de três terços. Mas acabou por morrer nas lágrimas da prima quase irmã sentado num sofá frente a um televisor que transmitia o jogo amigável Portugal-Espanha em Torres Novas. Em resumo: o homem morreu no sofá.

José do Carmo Francisco, escritor

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