Aníbal C. Pires, Entre Pausas, Crónicas do Diário Insular (2022 – 2024) Apresentação feita por José Lourenço, diretor do Jornal Diário Insular

Sala de Espera

  1. Apresentação do Autor

Beirão de nascimento, onde regressa menos vezes do que gostaria, por mor da idade, dos baixos índices de humidade da Baira Baixa, das amplitudes térmicas que causam algum desconforto… sim, é verdade, mas o maior desconforto deriva sobretudo do “abandono, da desertificação e do envelhecimento deste território e deste povo”. Não obstante, a sua “terra” continua a correr-lhe nas veias. É um “ilhéu continental”, desde 1983, ano em que inicia nos Açores a carreira docente e, nas suas palavras, “por amor fiquei”. Dirigente político – coordenador regional do PCP, sindicalista, deputado municipal e deputado à Assembleia Legislativa em duas legislaturas, ativista convicto, humanista de corpo inteiro, fiel ao seu ideário de esquerda e, embora reformado da sua atividade profissional, mantém grande participação cívica, em diversas instituições e na comunicação social, particularmente na imprensa. Nasceu para a literatura já maduro, não porque a escrita literária não lavrasse dentro de si, mas porque confessa que gerir o tempo nem sempre foi fácil. Para Aníbal Pires a “escrita é agora o tempo da intimidade e da tranquila solidão” e confessa-se um “eterno aprendiz de obreiro das palavras”. Dá-me a honra de colaborar com o DI desde, pelo menos 2009, pelo que as crónicas agora reunidas em livro, justo será dizer, são uma amostra dos inúmeros textos que aqui tem publicado.

  • Livro de crónicas

Apresentar um livro de crónicas encerra em si a dificuldade de falar sobre as quase quatro dezenas de textos publicados e que não se encontram arrumados sob outra estrutura que não a da sua sucessão cronológica. Nem de outra maneira poderia sê-lo, pois o estilo adotado – a crónica – esse caminho entre o texto jornalístico e o literário – tem a sua âncora lançada na realidade do quotidiano, no fluir dos dias, na efemeridade de alguns acontecimentos, outros que teimam em eternizar-se, espelha a opinião do autor e pretende provocar a reflexão do leitor, quiçá suscitar a polémica e o debate. A sua publicação em livro, porventura enquanto tarefa do leitor, o seu agrupamento temático permite, de forma mais sistemática, o conhecimento aprofundado do pensamento do autor. A linguagem é simples, escorreita, direta, ao correr da pena, saltando de assunto em assunto, como soe à crónica, mas não poucas vezes, uma frase, de vez em quando um texto inteiro, resvala para o poético, como quando fala da sua “terra” em “Quando o rosmaninho florir”.

Aníbal Pires não esconde, é claro e diz sempre ao que vem. Homem de esquerda, convicto, perpassam profusamente nos seus textos as lutas dos trabalhadores, por melhores condições de vida e de salários, as questões da justiça social (ou falta dela) e, sobretudo, da dignidade humana. A coerência com as suas ideias é patente em todas as linhas, não vende imparcialidade ou independência, antes empresta à mensagem a sua visão crítica e informada sobre os principais acontecimentos da atualidade e, expondo-se, desafia os leitores a reagirem ou a discordarem. A este propósito, Diniz Borges diz de A.P. que no seu caso “ser de esquerda não é pose – é raiz, é prática, é fidelidade ao povo e à verdade mesmo quando incómoda – os seus textos são atos de resistência”.

  • O que encontrar neste livro

No dizer do autor…“Temas sem fronteiras nem verdade absolutas”. No entanto, sem querer ser exaustivo e em síntese, é possível dizer que uma boa mancheia aborda…

  • Temas políticos, sejam despertos por factos concretos na esfera internacional como as guerras onde se morre aos milhares na Ucrânia, na Palestina e em diversas geografias esquecidas de países africanos; como as guerras híbridas entre os EUA e a China que, no seu entender explicam outros conflitos bélicos. Ataca a narrativa simplista da face aparente destes conflitos que, no seu entender e infelizmente é a mais propagandeada pela comunicação social de referência que esquece a raiz dos problemas. Apresenta a russofobia como uma dessas consequências. No exemplo de “Strogonoff e salada russa“ o autor discute o impacto da guerra na Ucrânia e os absurdos que as narrativas criadas pelo Ocidente provocam no cidadão comum e mesmo até em instituições com responsabilidades culturais. Os exemplos que enuncia seriam hilariantes se não fossem absurdos e até dramáticos.
    • Temas regionais. Afirma amiúde que foge do comentário político regional, mas, volta e meia, trai esse propósito e entra no pequeno mundo das ilhas… pena que não o faça de forma mais sistemática porque enriqueceria o debate regional destes temas. Exemplos são as crónicas sobre a reestruturação da SATA, sobre campanhas eleitorais, sobre a atividade governativa e opções de desenvolvimento (pouco harmónico), seja a pobreza, a educação, as assimetrias, etc.
    • O neoliberalismo e as políticas liberais estão sempre na sua mira, muito personificadas em dois ódios de estimação: Borrel e o seu jardim vs selva e Ursula Van der Lien. Mas também internamente personificada pela alternância entre a governação de direita ou a “esquerda fofinha”.
    • Os perigos comunicacionais, Inteligência Artificial, o algoritmo, a manipulação da opinião pública, ameaças à liberdade de pensamento, são outros temas objeto da sua análise.
    • Temas filosóficos: O tempo, o envelhecimento, a felicidade, a identidade açoriana vs culto do Espírito Santo.

Ler as crónicas em livro é condensar no tempo a narrativa de alguns (principais) acontecimentos dos últimos três anos, à escala global, é prolongar o diálogo intimista com um autor, profundamente preocupado com o que o vai acontecendo no mundo, para detrás da espuma dos dias e que é para nós fonte de reflexão e, em muitos casos, de inquietação. Quem se encarregar de fazer a História destes anos não deixará de consultar quem sobre os factos de pronunciou, sendo essa uma das vias abertas pela crónica dos jornais.

Ainda e para rematar, como diz Diniz Borges, “Se a felicidade é colhida pelo caminho (na palavras de Aníbal Pires) então este livro é uma abundante colheita – de lucidez, de coragem, de ESPERANÇA”.

Agradecimentos ao autor, às Letras Lavadas (Ernesto Resendes), ao Prof. Vamberto Freitas e ao Outono Vivo pela 20ª edição.

Praia da Vitória, Outono Vivo 2025, 31 Outubro

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