
Artur Veríssimo (n.1956) parece seguir uma ideia de Santos Fernndo (1927-1975) quando escreveu «O humor é uma lágrima entre parêntesis». Este livro de 157 páginas (Editora Húmus, Direcção de colecção Francisco Guedes) integra doze histórias; a saber: Só os açorianos se beijam no vão da escada, A vida amorosa de Baltazar Peixe-rei, A tentação do romeiro, Perguntas que trazem bullyng no bico, Sono breve, O encantador de viúvas, Quando os homens ladram…, O pintor e o poeta, A carta, Não me envergonhes diante do doutor!…, O mar é importante para a navegação e A última viagem. Entre o pícaro e o amor, entre o júbilo e as lágrimas, entre a lucidez e a imaginação, são histórias de um quotidiano localizado, mas (ao mesmo tempo) universal nos seus contornos. No enredo das histórias podem surgir de modo inesperado figuras como Donald Trump e Xi Jinping (o bolo de chocolate) ou as Correntes d’ Escritas na Póvoa de Varzim (livros). Povoam estas histórias citações e referências de vários autores – entre outros – Camilo Castelo Branco, Onésimo Teotónio Almeida, Marquês de Sade, Sophia de Mello Breyner Andresen, Gil Vicente, Luís de Camões, Carlos de Oliveira, Domingos Rebelo, Armando Côrtes-Rodrigues, Álamo Oliveira, Ovídio e Almeida Garrett. Uma das histórias tem como protagonista uma jovem que enquanto estudante trocava os pés pelas mãos (gado ovino põe ovos, bibliografia é a Bíblia), mas se vinga mais tarde dos colegas e das colegas quando como enfermeira troca o soro fisiológico por álcool etílico no curativo de uma ferida. No conto que dá título ao volume, o autor sugere que o protagonista ensina flauta transversal às viúvas e refere até o flautista de Hamelin mas só na última linha se desvenda o mistério – trata-se de uma flauta lisa. Sempre com uma carga de ironia provando que leveza não é ligeireza e nestas histórias nada acontece por acaso – nem na história em si nem na maneira como é contada. Nota final – Devo ao editor Rui Magalhães uma excelente conversa sobre este livro (ainda por cima num Domingo à tarde) provando que num país de camponeses e escritores abandonados (Carlos de Oliveira) o acto de editar ainda é uma alta paixão e não um negócio sórdido.
José do Carmo Francisco, escritor
