Cânticos do mesmo Sal – Poesia de José do Carmo Francisco

Cânticos do Mesmo Sal: Uma só língua, mil vozes: a poesia que atravessa oceanos e gerações.

Lamentação e pranto de Jill McBain em Sweetwater

(para Cláudia Cardinale em Aconteceu no Oeste)

Não tive tempo para nada.

A trompete ajudou com as suas notas sincopadas a simular os meus soluços que ninguém ouviu. Nunca tinha visto um banquete de morte. Lá longe, em New Orleans, as mesas servem sempre para as refeições e para a alegria dos encontros. Aqui de nada serviu a recomendação de Brett à filha para cortar as fatias do pão muito maiores que o habitual.

Não tive tempo para nada.

Nem para as lágrimas que são a água salgada da revolta perante a injustiça da morte. Nem para perceber quem mandou matar uma família inteira. Nem para perceber porquê. Ainda era cedo. Sei agora a diferença entre a água doce do meu poço e o sal da água azul do Oceano Pacifico que está num quadro da parede da carruagem de luxo de Mr. Morton.

Não tive tempo para nada.

Afinal ainda é cedo para saber de um homem, moreno e triste, capaz de, como quem cumpre uma sentença, matar vários assassinos depois de tocar uma melodia vagarosa numa harmónica velha, presa ao pescoço por uma corda muito mais pequena e estreita do que a outra, a utilizada para enforcar o seu irmão mais velho numa infância já distante.

Não tive tempo para nada.

Aos poucos percebi como é possível construir um sonho em miniatura. A madeira está paga, os barris cheios de pregos estão à espera. É só contar os passos e marcar o perímetro das primeiras casas de Sweetwater. A Estação e a Igreja, o Banco e o Hotel, as primeiras lojas. O sonho de Brett McBain não pode ficar adiado. A roldana do poço espera por mim. Os primeiros operários do caminho-de-ferro acabam de chegar e estão mortos de sede.

José do Carmo Francisco, poeta e jornalista

A nossa missão é reunir e difundir a poesia escrita em língua portuguesa, nas suas múltiplas expressões regionais e estilísticas. Queremos criar um espaço onde as vozes de diferentes tempos e lugares se entrelacem, celebrando a riqueza cultural, histórica e afetiva que a língua portuguesa transporta. Teremos clássicos e contemporâneos. Uma mescla de vozes de hoje com vozes de ontem.

Sonhamos com uma comunidade literária sem fronteiras, em que a poesia em português — de Lisboa a Luanda, do Rio de Janeiro a Díli, de Ponta Delgada a Maputo, dos centros à diáspora — seja reconhecida como património comum e universal. Desejamos que cada poema seja uma janela aberta para a diversidade e, ao mesmo tempo, para a unidade que a língua proporciona.

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