Cânticos do mesmo Sal – Poesia de José do Carmo Francisco

Cânticos do Mesmo Sal: Uma só língua, mil vozes: a poesia que atravessa oceanos e gerações

As casas de Blackheath Park e outros poemas

As casas de Blackheath Park

São todas de madeira e de vidro

As casas de Blackheath Park

A outra metade é feita de tijolos

Tristes porque são todos iguais

Na sua tão repetida monotonia

À volta da avenida fica o arvoredo

Antigo como as casas dos guardas

Lembra um velho tempo de quintas

Com cavalos e carroças no mercado

Hoje só recordado aos domingos

Esquilos nos ramos, corvos na relva

De noite raposas fogem assustadas

Dos poucos táxis a circular na rua

Na escuridão fria da noite inglesa 

À hora dos comboios mais raros

Envolvido nas rotinas das escolas

Levo na mão o meu neto de manhã

E vou buscá-lo perto do meio-dia

Pego na pasta azul com o seu nome

E levo o saco da fruta que ele espera

Todos os dias trocam o livro da mala

São elefantes, borboletas e ovelhas

Entram na floresta que eu lhe conto

E tremem de medo dos monstros

Como eu tremo de medo da doença

São todas de madeira e de vidro

As casas de Blackheath Park

Frágeis perante a neve a chegar

Tal como eu frente ao pâncreas

Que de súbito há-de ficar cansado

Tudo é intenso e frágil nos dedos

Maneira de eu dizer adeus à vida

Todos os momentos são preciosos

Para que o meu neto me lembre

E não se esqueça de me recordar  

Balada da Escola de Brooklands em Blackheath

Passa pelo seu porteiro

Gente de vários tamanhos

Passa aqui o dia inteiro

Não deixa entrar estranhos

As mães são todas bonitas

No olhar dum coração

Combinam chá e visitas

Entre a sala e o portão

Na mesa dos animais

Tomás toma o seu lugar

Os monstros originais

São pesadelo a sonhar

Nesta escola de crianças

O horário é pequenino

A manhã das esperanças

Sonha o futuro destino

Onde os meninos de agora

Que chegam de bicicleta

Aprendam que estrada fora

Há no fim a luz da meta

No sorriso do consolo 

Cada criança trazia

Um pequenino bolo 

Feito entre a alegria

Entreajuda, amizade

Todos iguais na diferença

Vão viver numa cidade

Onde o ódio é doença

Uma cidade, um futuro

Onde o sonho se faz acção

A escola é lugar seguro

Porque todos dão a mão

Ao sonho em teimosia

Dum mundo onde a gente

Prefere uma harmonia

Em vez da voz divergente

Por isso não dão pelas horas

Levam a pasta oferecida

No olhar das professoras

Está um programa de vida

José do Carmo Francisco, poeta e jornalista

A nossa missão é reunir e difundir a poesia escrita em língua portuguesa, nas suas múltiplas expressões regionais e estilísticas. Queremos criar um espaço onde as vozes de diferentes tempos e lugares se entrelacem, celebrando a riqueza cultural, histórica e afetiva que a língua portuguesa transporta. Teremos clássicos e contemporâneos. Uma mescla de vozes de hoje com vozes de ontem.

Sonhamos com uma comunidade literária sem fronteiras, em que a poesia em português — de Lisboa a Luanda, do Rio de Janeiro a Díli, de Ponta Delgada a Maputo, dos centros à diáspora — seja reconhecida como património comum e universal. Desejamos que cada poema seja uma janela aberta para a diversidade e, ao mesmo tempo, para a unidade que a língua proporciona

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