Cânticos do Mesmo Sal: Uma só língua, mil vozes: a poesia que atravessa oceanos e gerações

As casas de Blackheath Park e outros poemas
As casas de Blackheath Park
São todas de madeira e de vidro
As casas de Blackheath Park
A outra metade é feita de tijolos
Tristes porque são todos iguais
Na sua tão repetida monotonia
À volta da avenida fica o arvoredo
Antigo como as casas dos guardas
Lembra um velho tempo de quintas
Com cavalos e carroças no mercado
Hoje só recordado aos domingos
Esquilos nos ramos, corvos na relva
De noite raposas fogem assustadas
Dos poucos táxis a circular na rua
Na escuridão fria da noite inglesa
À hora dos comboios mais raros
Envolvido nas rotinas das escolas
Levo na mão o meu neto de manhã
E vou buscá-lo perto do meio-dia
Pego na pasta azul com o seu nome
E levo o saco da fruta que ele espera
Todos os dias trocam o livro da mala
São elefantes, borboletas e ovelhas
Entram na floresta que eu lhe conto
E tremem de medo dos monstros
Como eu tremo de medo da doença
São todas de madeira e de vidro
As casas de Blackheath Park
Frágeis perante a neve a chegar
Tal como eu frente ao pâncreas
Que de súbito há-de ficar cansado
Tudo é intenso e frágil nos dedos
Maneira de eu dizer adeus à vida
Todos os momentos são preciosos
Para que o meu neto me lembre
E não se esqueça de me recordar
Balada da Escola de Brooklands em Blackheath
Passa pelo seu porteiro
Gente de vários tamanhos
Passa aqui o dia inteiro
Não deixa entrar estranhos
As mães são todas bonitas
No olhar dum coração
Combinam chá e visitas
Entre a sala e o portão
Na mesa dos animais
Tomás toma o seu lugar
Os monstros originais
São pesadelo a sonhar
Nesta escola de crianças
O horário é pequenino
A manhã das esperanças
Sonha o futuro destino
Onde os meninos de agora
Que chegam de bicicleta
Aprendam que estrada fora
Há no fim a luz da meta
No sorriso do consolo
Cada criança trazia
Um pequenino bolo
Feito entre a alegria
Entreajuda, amizade
Todos iguais na diferença
Vão viver numa cidade
Onde o ódio é doença
Uma cidade, um futuro
Onde o sonho se faz acção
A escola é lugar seguro
Porque todos dão a mão
Ao sonho em teimosia
Dum mundo onde a gente
Prefere uma harmonia
Em vez da voz divergente
Por isso não dão pelas horas
Levam a pasta oferecida
No olhar das professoras
Está um programa de vida
José do Carmo Francisco, poeta e jornalista
A nossa missão é reunir e difundir a poesia escrita em língua portuguesa, nas suas múltiplas expressões regionais e estilísticas. Queremos criar um espaço onde as vozes de diferentes tempos e lugares se entrelacem, celebrando a riqueza cultural, histórica e afetiva que a língua portuguesa transporta. Teremos clássicos e contemporâneos. Uma mescla de vozes de hoje com vozes de ontem.
Sonhamos com uma comunidade literária sem fronteiras, em que a poesia em português — de Lisboa a Luanda, do Rio de Janeiro a Díli, de Ponta Delgada a Maputo, dos centros à diáspora — seja reconhecida como património comum e universal. Desejamos que cada poema seja uma janela aberta para a diversidade e, ao mesmo tempo, para a unidade que a língua proporciona
