Cânticos do mesmo Sal – A Poesia de RoseAngelina

Cânticos do Mesmo Sal: Uma só língua, mil vozes: a poesia que atravessa oceanos e gerações

AMOR ELEMENTAL

Flórida,

tomei tuas mãos

em aliança climática,

um amor aceso

em grandes tempestades.

És minha pira tropical

no mês das flores brancas dos cactos.

Até que os ventos do oeste

tragam o outono de volta.

Então o inverno renova

nosso juramento,

com poentes vermelhos

afogados em luz,

E na manhã seguinte,

os golfinhos a pespontar a bruma,

com fibras resistentes às algas nocivas.

Em silêncio, fazem do corpo d’água

uma cidadela de mais.

Garças e gaivotas,

asas abertas em dobradiças,

estão nadando, ou voando?

E vêm os oito íbis

nos dizer, Flórida querida:

A promessa foi cumprida.

Nem a morte

nos separa.

PONTE SOB ÁGUAS

O que bule a água,

tu sabes?

Uma chuva meteórica bule águas.

Uma placa tectônica. O pó radioativo das pétalas

luminescentes do plutônio, a Challenger.

Uma pedra na mão duma criança. Uma folha-d’águia

flutuando no Rio Indiano, As folhas de inverno do mata-pau,

um cavalo marinho de olhar esmeralda,

A garça gigante e seu alarido de fujança.

Os peixes-boi, golfinhos e alevinos,                                   

caranguejos ferradura e a erva marinha,

Todos sobre este poema, e abaixo da lagoa,

estão a bulir água, erguendo pontes sob a água

com suas habilidosas razões, provando que o tolerante rio

                                                        Segue

                                                                  vivo

BONEQUINHA DO RIO

Para uma amiga que morre em casa

Ao norte, rendida aos pés do manguezal,

uma bonequinha cerra os olhos.

Vestida em crochê azul claro, boina

quase roubando as vistas.

Serão seus olhinhos opala ou índigo lagunal?

Mão direita acena tchau, a outra, consola o peito.

Despedida abismal. Cinco milhas trilho

mancando indo e vindo. Alguém dorme no beiral do rio.

Que tipo de dor precisa duma analgesia tão forte?

No bercinho de pedra, a menina de louça adormecida

mira o Sul, onde as tainhas correm.

A bonequinha recebe do martim-pescador,

e gaio-azul, lua adentro, sol afora, o cuidado paliativo.

ESTILHAÇOS DE VIDROS

Estilhaços de vidros, mosaico de sentimentos

gravados num vinil submarino, matriz de pensamentos.

Os vidros estuarinos recriam impressões d’outrem em si mesmos.

Remexidos no chão do mar, ao arremesso do lado visível lunar.

Sacudidos em barris de ondas, labiríntinas conchas de nácar.

Cativos de tentáculos e papos de bichos aquáticos. O vidro estuarino

chega`a praia para a colheita da areia numa aparência fria e fosca.

Frugal mostruário em desgaste arredondado feito às pressas

das viradas e batidas. Polimorfo gosto d’alga,

policromático cheiro de sal.

RENDA ESTUARINA  

Fere, fere agulhadeira,

com seus pares de bilros lentos,

fere as chagas do mar, finca-lhes

agulha ao centro.

Torce metros de espuma, coral e areia.

Espeta alfinetes de madeira no seu rolo-travesseiro.

O colo enfeitado de escamas verde-sereia.

Costura o linho alvo com modelos romanos

de renda estuarina. Das mãos enrugadas saltam,

serpenteiam, longe do vodu, Canaveral-submarino.

Cura, Cura agulhadeira,

com seus pares de bilros bentos,

cura as chagas do mar, arranca-lhe

agulha de dentro.

CAVALAS

Ontem se foi, num pôr de sol saltitante

de retinto flamboiã e prata.

Grandes cardumes `a flor d’água

estourando seus fogos de artifício,

queimando o ventre da lagoa.

Cardumes de cavalas em pressa

duma Carrera de la India.

No alvorecer, vi nas nuvens,

as impressões carimbadas,

de cinquenta quilos de escamas de cavalas.

Cielo hermoso, escamado.

As caudas bifurcadas em lambadas,

prenderam os diamantes do sal do mangue

num congressus de azul.

PLÊIADES

De dia elas velejam sem serem vistas

pelo jorro de luz Floridiana.

As plêiades, como humanos, precisam

navegar um barco para ancorá-las no post-mortem.

Um naufrágio, caso ocorra, faz  as plêiades

virarem poesia, a colecionadora de bons gostos.

À noite, ao invés de dormir, as plêiades mostram

seus olhos despertos de veraneio, azul sem cor,

noctilucentes, circunspectos sobre o rio indiano.

Na aurora, pode-se ver as setes irmãs desfilando

entre distrativos meteoros, velhos rivais satélites,

acima dos drones e da estação espacial,

que nos olha além da borda astral. As sete irmãs

em geometria portátil devagarinho, e firme

praticando sua meditação, andando ao meio passo

depois da exalação.

Durante o dia elas velejam o mar celestial, tão diáfano

que parece ter cessado de existir.

ISLA DE PUNTA DE PIEDRA

Ali a felicidade toda se aglutina

e os dragões vem pra morar

num promontório de conchas,

chuvas de areias petrificadas

Onde pedras gastas indagam

`a confluência das águas

és o Rio Indiano?

és o Rio Banana?

RoseAngelina Baptista é uma poeta blingue com raízes luso-brasileiras, poeta da Lusofonia, que vive e escreve no estado da Flórida. nos Estados Unidos.

Poemas galardoados com o Royal Palm Literary Awards

A nossa missão é reunir e difundir a poesia escrita em língua portuguesa, nas suas múltiplas expressões regionais e estilísticas. Queremos criar um espaço onde as vozes de diferentes tempos e lugares se entrelacem, celebrando a riqueza cultural, histórica e afetiva que a língua portuguesa transporta. Teremos clássicos e contemporâneos. Uma mescla de vozes de hoje com vozes de ontem.

Sonhamos com uma comunidade literária sem fronteiras, em que a poesia em português — de Lisboa a Luanda, do Rio de Janeiro a Díli, de Ponta Delgada a Maputo, dos centros à diáspora — seja reconhecida como património comum e universal. Desejamos que cada poema seja uma janela aberta para a diversidade e, ao mesmo tempo, para a unidade que a língua proporciona

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