A Poesia de RoseAngelina Baptista

VENA AMORIS

A grande deusa

do Atlântico veio

`a lagoa estuarina

na estação dos furacões

para prender o

marujo português

que escreveu o poema

didático

como desatar 

a veia do amor.

CORVOS

Só nós dois

podemos nos entender a fundo.

Tu, seletivo bando de corvos,

podes transformar versos mudos

em comoventes vogais do arrozal.

Tu podes suportar

minha eclética multidão de dor

erguida em ovações sem rumo

pelos sons nasais do mar.

ESPELHO VIRGEM

Onde cessa o vento, o céu é claro e limpo.

Oito moças reman um barco no delta dum rio.

Irene, Eva, Corina, Alma, Zoé, Viola, Flora e Cordélia.

Eau de vie, belas formas especulando o presente

com um espelho virgem. Irene quer ser Dorina.

Eva delira ser Greice. Corina exalta Jasmina.

Alma quer virar Mara, Zoé cai por Arabela,

Viola puxa as cordas de Lira. Flora se arrouba

com Deise. Cordélia, outra descontente. Já nem sei

o nome dela.

VELEIROS

Para viver com a água em calmaria e deixar o tempo acontecer,

freio concentrativo é preciso. Tratar a correnteza no seu passo

como uma laranja redondamente madura, portanto doce.

No rio, `a luz do dia, mastros ao meio, um dois e mais valsam.

No cortejo um xaile de risonhas gaivotas. As fragatas velam.

Quem é o vencedor senão o conhecedor de coisas fugazes 

que existem, mas irreais persistem minando as alegrias

dum velejar equilibrado? Deixa as coisas inquietas passarem,

seguirem em paz, elas nada mudam da eterna alegre

pura geografia.

VEIAS SALGADAS

Esse peito de palissandro tem um rio

de corredeiras. Mal se firmam desgrenhadas,

lançam-se aos desfiladeiros. Rochas que batem

águas como um pilão de milho, águas que lavam cruzes

caiadas nos penhascos, torvelinhos de uma trilha.

Esse peito se meta morfo sereia em gradis florais,

sargaços, fura-buxos, preces mouras, bestas

de vagalhões e ilhas. Expressa toda uma luz

de si em alegorias de peixes delicados

boquiabertos atentos. Peito relicário de carapaça

de touro índico e tartaruga floriana gravado no ouro

de minas. Me deixou um testamento de ventos monçônicos

e grandes bilhas de barro dos mundos bravios d’água

alinhavados na rota de armadas caravelas.

RoseAngelina Baptista, poeta lusófona (Flórida, Estados Unidos)

Estes poemas foram galardoados com o prémio Florida Writers Association 2023 Royal Palm Literary Award. Poemas inéditos Gold.

RoseAngelina Baptista

Cânticos do Mesmo Sal: Uma só língua, mil vozes: a poesia que atravessa oceanos e gerações

A nossa missão é reunir e difundir a poesia escrita em língua portuguesa, nas suas múltiplas expressões regionais e estilísticas. Queremos criar um espaço onde as vozes de diferentes tempos e lugares se entrelacem, celebrando a riqueza cultural, histórica e afetiva que a língua portuguesa transporta. Teremos clássicos e contemporâneos. Uma mescla de vozes de hoje com vozes de ontem.

Sonhamos com uma comunidade literária sem fronteiras, em que a poesia em português — de Lisboa a Luanda, do Rio de Janeiro a Díli, de Ponta Delgada a Maputo, dos centros à diáspora — seja reconhecida como património comum e universal. Desejamos que cada poema seja uma janela aberta para a diversidade e, ao mesmo tempo, para a unidade que a língua proporciona.

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