Uma rede de som por José do Carmo Francisco

Postal nº 19 para Ana Isabel

Um dia, por acaso um sábado de manhã, algures numa aldeia da Serra de Monchique, um repórter da Antena Um de Faro foi surpreendido com a inesperada pergunta do homem, um montanheiro que veio à porta da sua casa alertado pelos latidos dum pequeno cão: «O meu amigo traz aí uma máquina de tirar retratos?». A resposta desse homem da Rádio (Rafael Correia) apontando o seu velho gravador a tiracolo foi límpida, incisiva e eficaz: «Isto são retratos mas da alma». Neste meu caso particular, não é nada fácil, mesmo nada, tirar um retrato à minha alma neste dia – na festa de aniversário dos sete anos de um dos meus netos, acabo de saber que morreu o meu sonoplasta de Ponta Delgada. E se digo meu sonoplasta é sem forçar a nota porque sendo em geral da RDP e de todo o seu vasto auditório ele é, em especial, meu e apenas meu. O meu sonoplasta.

Um dia na cidade das Caldas da Rainha, em plena Praça da Fruta, atendo o meu velho telemóvel; era o meu sonoplasta em Ponta Delgada a convidar-me para entrar em directo e assim poder festejar os dez anos de colaboração no programa «Inter Ilhas». Perante a minha adversativa sobre a pouca qualidade do som do telemóvel, logo me sossegou e convenceu dizendo: «Vou pôr no ar uma rede de som e nem vai parecer uma conversa de telemóvel.»

No retrato da minha alma neste sábado de lágrimas e de júbilo, tudo misturado e sem proporção, perante o grande e misterioso mistério da vida só posso ter uma certeza para dizer em voz alta: a morte acaba por ser, neste caso particular, uma questão de registo civil. Nada mais. Apenas e só. Porque o passado não passou; não passa e continua.

José do Carmo Francisco, escritor

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