Salvador Silver ou a história de um açoriano fora-da-lei por Víctor Rui Dores

Com 8 romances já publicados, Pedro Almeida Maia soma e segue, num percurso de escrita bastante consistente. Com olhar atento e mão certeira, vai contando histórias, caracterizadas pela fluidez e frescura narrativas, sem adornos desnecessários, ele que nunca embarcou em semióticas da diegese do texto e que às escritas barrocas e gongóricas sempre disse não.  

Deste autor acaba de ser editado Condenação, a história de um gangster açoriano na América (Cultura Editora, 2025), romance baseado em factos documentados e que eu li como se de um filme se tratasse. E isto porque Pedro Almeida Maia é um escritor com uma câmara na mão, pois parece dominar as técnicas e os dispositivos cinematográficos do “flashback” e do “raccord”, aplicando-os, de forma particularmente feliz, à técnica narrativa. E vai construindo as suas histórias imagem a imagem, plano a plano, enquadramento a enquadramento, usando cortes na edição (do inglês “edition”, mas prefiro o termo montagem).

E que bem faz ele a montagem das suas narrativas. Para já, recorrendo à “técnica do iceberg”, que consiste em dizer apenas uma parte do que está acontecendo e deixar o resto implícito, técnica esta (muito anglo-americana) que faz com que a narrativa tenha mais impacto emocional e psicológico. Por outro lado, há que assinalar as mudanças de narrativas e de narradores, numa espécie de inquérito ao subconsciente mantida, do princípio ao fim deste romance, em que o narrador está constantemente a intrometer-com o autor, dirigindo-se-lhe nos seguintes termos: “Prezado escritor…

A ação do livro em apreço decorre nos Estados Unidos da América durante a década de 1920, aquando da implementação da Lei Seca e da proliferação do fabrico ilegal de bebidas destiladas (com a sombra de Al Capone a pairar por perto), também por famílias portuguesas emigradas na América.

Deambulando por Providence, Boston, Fall River, New Bedford, Rhode Island ou New York, o protagonista deste romance/filme é o jovem Salvador Silver, um açoriano fora-da-lei, misto de criminoso e bom malandro, oriundo de uma comunidade açoriana que produz aguardente em alambiques ilegais.

Traçando um muito bem conseguido retrato da época, Pedro Almeida Maia cruza o julgamento mediático dos anarquistas italianos Sacco e Vanzetti, julgados e condenados à cadeira elétrica por um crime que supostamente não cometeram. Ao que se julga saber, tal crime foi perpetrado por um gangue de mafiosos que atuava em Providence, Rhode Island, sendo que o referido jovem ilhéu fazia precisamente parte desse gangue de malfeitores…

Salvador Silver, que aprende as rígidas leis da delinquência com Arthur Tatro, um rufia da pior espécie, e se vê envolvido com a família mafiosa dos Morelli, é um verdadeiro caso de estudo: família disfuncional, infância rebelde, abandono escolar precoce, assaltos a moradias e supermercados, várias detenções e muitas peripécias…  Sempre em posse do seu Colt, ele é um trapaceiro em toda a linha, faz-se passar por outras pessoas, envolve-se com mulheres, para fugir à justiça desaparece durante 3 anos com Yellow, uma artista circense, e comete delitos graves que o colocam ao lado de vários suspeitos, entre os quais Sacco e Vanzetti.

Salvador Silver é nome fictício de alguém que, de facto, existiu, segundo apuradas e aturadas pesquisas de Pedro Almeida Maia, mas a história daquele jovem micaelense surge como uma mera nota de rodapé, abafada que foi pelos efeitos mediáticos do julgamento dos mencionados italianos.

Sem falsos moralismos e sem inocentar o delinquente luso, o autor questiona: o que leva um indivíduo a tornar-se criminoso e a ter a cadeira elétrica como destino final? Convirá não esquecer que, ontem como hoje, nem sempre a emigração açoriana corre bem… E houve mesmo situações em que correu muito mal. Limpopo, por exemplo.

(Abro aqui um parêntesis para lembrar que o êxodo emigratório para os Estados Unidos da América e, posteriormente Canadá, resultante do Vulcão dos Capelinhos (1957/58), marcou de forma definitiva a história dos Açores. Por lá os nossos emigrantes criaram raízes e família, nunca deixando de sonhar com um possível regresso à terra natal.

O que não foi notícia nos jornais foi o desaire das 25 famílias faialenses que, mercê de diligências feitas junto do gabinete de Salazar, emigraram para Moçambique, fixando-se em Limpopo, mais propriamente no Colonato de Gaza, no vale do rio Limpopo, numa iniciativa que não teve continuidade. Tudo correu mal. A começar pela viagem no navio “Lima” que, devido a sucessivas avarias, em vez dos habituais 8 dias de viagem para Lisboa, levou 15 dias de penosas arrelias. Seguiu-se a viagem para África, no navio “Niassa”, com a duração de 21 dias.

A estada dos faialenses em Limpopo foi extraordinariamente difícil. Contrariamente ao verificado no continente americano, em Moçambique os faialenses não encontraram nem acolhimento nem ajuda. Ficaram, pura e simplesmente, entregues a si próprios e à sua sorte. E como se isto não bastasse, o clima era terrível, com temperaturas a rondar os 40 graus, as terras – as “machambas” – eram inóspitas, o trabalho duríssimo (lavoura, colheita de algodão e cultivo de milho, feijão e batatas) e, vivendo em condições muito difíceis, os nossos emigrantes acabaram por regressar todos à ilha do Faial, sendo que alguns deles emigraram posteriormente para as Américas de promessas e abundâncias…).

Pedro Almeida Maia, construtor de universos narrativos, terá aqui assunto e matéria para um próximo livro… 

Horta, 11/07/2025

Victor Rui Dores, escritor

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