
Álamo, a Palavra, o São João
– Miguel Sousa Azevedo
DO PORTO DAS PIPAS… (406)
A semana passada começou triste com a partida quase-esperada de Álamo Oliveira, o escritor, o poeta, o dramaturgo terceirense, com seis décadas de criação literária e uma influência-chave no abordar atento da palavra e da nossa terra, para várias gerações. As mais recentes, a minha, e outras…
Há cerca de cinco anos, em tempo de pandemia e reclusão, dediquei alguns textos a pessoas que admiro. É uma prática que tento manter, e o Álamo foi, sem dúvida, alguém que admirei sempre. E a quem, felizmente, pude transmitir essa admiração. Perguntava-me, por vezes, “como vão essas escritas?”. Encolhendo os ombros, tive sempre vergonha de lhe responder com frases.
Dono de um sentido orientador muito puro entre a ruralidade e o urbano, ele temperou a sua escrita com uma riqueza de sentimentos, que magistralmente passava ao papel. Hoje não duvido que Álamo Oliveira será o autor que mais influenciou as gerações recentes destas ilhas. De forma brilhante e subliminar, numa obra transversal ao nosso fruir, apesar da constante contemporaneidade.
Transcrevi e alterei agora algumas frases da altura, mudando o tempo a determinados verbos, porque o Álamo partiu. Mas a sua obra mantém-se entre nós, no que será o elogio supremo para os autores, e que ele pôde ler, então: O facto de passarem a intemporais.
O Álamo conseguia-o num poema, numa rima de festa, num parágrafo solto de um livro ou no contexto político de uma peça de Teatro. Ficar-lhe indiferente continuará a ser uma imensa dificuldade. A ele, que teve uma infância e uma juventude igual à de centenas e centenas de açorianos, mas que a veia criativa permitiu ler de uma outra maneira.
Guardou memórias e sabores, transcritos num paladar que agrada. Que vai agradar sempre. E fê-lo com uma linha de escrita só possível por quem guarda no peito as suas vivências, o ar que as rodeia. Com vírgulas e pontos, por entre as quais passeamos com prazer.
Há cinco anos, em tempos de um São João que não se festejou, considerei que o Álamo tinha escrito a letra da nossa gente. Apontando a sua faceta mais popular, e que rapidamente todos identificam: os imensos poemas criados para as marchas e similares que nos alegram os dias. E que naquela altura manchada de pandemia recordávamos com mais saudade. Que dizer agora, nestes dias de despedida?
Álamo Oliveira deu voz à alegria do nosso povo, rimando paixões e cheiros que se espalharão por cada madrugada festiva dançada com o Santo padroeiro de um rebuliço que nos caracteriza. Atribuiu novos sentidos a várias expressões, recriando-as de um modo natural. E só os grandes fazem isso.
Daqui por um ano, na esquina da rua a que dá nome, não duvido que o São João deixe cair uma lágrima no meio da animação. E deverá fazê-lo de forma discreta, passando incólume à multidão. Como fez o artista na sua vida de palavras. Obrigado, Álamo. Foi um imenso gosto…que perdurará.
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Agradecemos ao amigo Miguel Sousa Azevedo por permitir a publicação deste excelente texto. Podem seguir o Miguel Sousa Azevedo no seyu excelente blogue e no Diário Insular.

