
Quando um poeta dedica um poema a outro, como faz Ivo Machado ao homenagear Álamo Oliveira, estabelece-se um diálogo poético que transcende a admiração pessoal: é o reconhecimento da importância literária e afetiva do homenageado. Nesse gesto, há cumplicidade estética e afetiva, e o poema torna-se não apenas tributo, mas também espelho da amizade, da partilha de origens e da consciência de pertencimento comum — neste caso, ao arquipélago dos Açores e à literatura insular.
DESTES PÁSSAROS
ao Álamo Oliveira
há que dizer destes pássaros
sem nomear
destes pássaros em bando
um ou outro isolado
chegam com demora e pousam
nas dunas celebrando
os homens oficiam os solstícios
enquanto eles concitam com suas práticas
seus ritos
os grandes
sendo machos embevecidos dançam no anil sem limites
os pequenos
pelas mães entretidos perdem-se nos verdes a aparecer
sem urgência.
há que dizer
desta celebração
destes pássaros em bando
animando a lua da transmutação
quando tudo se renova se enfeita
apenas nós parecemos iguais
sérios como o calendário
demorado
nunca falo deles sem comoção por dizer
pois são a razão do canto a chegar
no despertar das dunas
saibam meus filhos ler
estes sinais
no registo dos dias diferentes
apenas isso bastará.
IVO MACHADO
In, “Adágios de Benquerença” (2001)
