Entre o Vento e a Saudade: O Legado Poético de Emanuel Félix

A contínua homenagem a Emanuel Félix com dois textos de dois amigos dela, infelizmente já falecidos, dois escritores.

Emanuel Félix, Um Poeta Ecuménico

            Não sou dos que sabem de cor poemas e pemas, seus ou alheios.  Em toda a minha vida só consegui decorar dois, meu nenhum: “Arde Inverno”, de Roberto de Mesquita, e o soneto “Abdicação” do Fernando Pessoa ortónimo.  A capacidade memorativa em mim e outra: identifico os poemas ouvindo ou lendo um verso solto e recordo títulos, por exemplo o do tão belo soneto “Aromatografia” de Manuel Duarte de Almeida.  Entre os títulos que retive, dois são de Emanuel Félix: “Five o’clock tear” e “Apelo de Urgência”.  Os seus melhores poemas?  Não me atrevo a afirma-lo.  Mas guardo-os a ambos, em especial o primeiro, no rol dos que muito estimo.  Quanto a nascidos tais na segunda metade do século XX.  Não fora o seu autor açoriano, alem disto vivendo nas ilhas, o poema seria considerado pelo menos como consideram “O Boi da Paciência” de António Ramos Rosa..  Sem por mais, lembremos como demorarem “chupar” o nosso Nemiésio.  Em Portugal continuam, e evidente, a nao gostar dos ilhéus, estes que venceram (com os aventureiros de Schomberg) a batalha do Ameixial e depois, num certo 24 de Julho, entraram em Lisboa pondo em fuga a tropa do que em minha casa era chamado o Miguel de Carlota.  Quem ama a canga odeia os que a não suportam.  E adiante…

            Não vou dizer do Emanuel Félix criador.  Deixo isto aos autros, que decerto dirão muito melhor.  Digo só, e pelo breve, do poeta-tradutor-de-poesia.  E esta uma outra face de sua curta mas solida obra lírica que não costumam evidenciar ou, pelo menos, nunca vi evidenciada.  Por mim, acompanhado ou não, considero-a notável, muito significaste no todo da sua obra.  E também, alem dela, como lição.  Estou a referir-me claro, as recriações em português de poemas chineses e japoneses que Emanuel Félix fez e muito acuradamente incluiu no corpos da sua poesia.  Considero este seu trabalho de poeta aberto aos ares do mundo verdadeiramente exemplar.  Devendo notar-se-lhe outros sim o pioneirismo nos Açores e quanto ao regresso as traduções, em Portugal.  Com as suas versões de poemas chineses e japoneses Emanuel Félix mais uma vez veio afirmar que a poesia semelhantes convívios valem a pena, proveitosos sempre.  Entendeu-o e praticou-o: assim aprendendo (apetece-me acrescentar: crescendo), humildemente, como e próprio dos crendeiros poetas.  E de ai o dize-lo poeta ecuménico, isto tirado ao adjectivo todo e qualquer ranço de religiosidade monoteísmo.  Convivendo com as vozes de outros poetas – não apenas os da mesma língua a mão ou na moda – Emanuel Félix ganhou, enriquecendo nesses contactos a própria voz.  E pergunto: terão reparado nisto outros poetas de agora dos nossos Açores?  Se não, estão a tempo de reparar.

Pedro da Silveira

O TEMPO

            Vivendo e trabalhando nas Lajes e na Base Aérea, a minha vida contentava-se em andar por ali e arredores e poucas vezes saía da minha ilha, que então se estendia da Praia da Vitória á Agualva e tinha ao lado as Fontinhas donde vinham castanhas e inhames e onde apanhei uma cornada por correr mais devagar que o toiro.  Mas quando os vinte chegaram trazendo consigo a vontade de se espalharem mais á vontade, o contentamento da vida foi sendo também repartido, e compersistência, por Angra do Heroísmo:  um-dois dias ou apenas algumas horas, raríssima terá sido a semana sem estar em Angra – durante quase toda década de 50.  Por isso conhecia de vista (e, em alguns casos, de convívio)  a maior parte das pessoas que se movimentavam na Baixa e em seus cafés e cinemas.

            Numa tarde de domingo de Abril ou Maio, cruzei-me na rua da Sé com Emanuel Félix e repetimos o simples boa-tarde de quem se conhecia apenas de vista.  Mas eu sabia, e já há muito tempo, que o Emanuel era poeta – havia de resto a Gávea, o Diário Insular, o meu gosto por literatura, e então o saudoso Almeida Firmino que em período distante fora meu colega na Base Aérea.  – Foi numa tarde de domingo de Abril ou Maio, sim.  De 1961!

Dezassete anos depois, numa viagem relâmpago (antes de estadia longa em 1981), voltei aos Açores, e no meu deambular por angra, descobri a meio da rua do Galo uma livraria recheada de livros.  Folheei, saboreei títulos e palavras, cores e nomes, e de repente:  A PALAVRA O AÇOITE Emanuel Félix.

Perguntei se tratava do Poeta Emanuel Félix, e se era homem que continuava a viver nos Açores, ou fora, fora e onde, no continente ou talvez no estrangeiro!  Logo fiquei a saber que trabalhava no museu e que podia telefonar-lhe, se desejasse.  – E assim reencontrei o Poeta Emanuel Félix – no mesmo dia, na sua casa da Rua de Jesus, e em família:  Filomena Joana Emanuel Jr.  Três anos depois, eu e a Aud voltávamos á sua casa, hoje três casas – a amizade recíproca nasceu, foi crescendo, e ainda agora vamos em 2002!

Quando em Angra dos ano 50 me cruzava com o Emanuel Félix, lembro-me que, para mim, ele não era apenas um jovem angrense, dois-três anos menos que eu.  Para mim, ele era o Poeta Emanuel Félix.  Recordação de meio século, que me traz também a doce recordação de outro grande poeta, com outra forma de poesia:  Jacques Tati, o poeta de “Mon Oncle” e “Les Vacances de Monsieur Hulot” que “conheci” na Recreio dos Artistas e/ou no Teatro Angrense.

O tempo passa muito lentamente.  Hoje é ainda ontem quando me cruzava com a poeta Emanuel Félix na Baixa da Angra e repetíamos o mesmo boa-tarde-ou-dia-ou noite de quem se conhecia apenas de vista.  E ontem é já hoje quando se comemora 50 anos de poesia arte cultura do Poeta.  O tempo, sempre o tempo:  Ontem e hoje, hoje e ontem e sempre agora, UM ABRAÇO DE MEIO SÉCULO.

Manuel Machado

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