Olhos nos Livros – Eyes on Books Palavras de Costa a Costa – Words from Coast to Coast por Manuela Marujo

Os Bastardos da Pátria

Edição de autor, Toronto, 1976

No prefácio do livro Os Bastardos das Pátrias o autor previne que ”tudo nesta história […] é estritamente real e verdadeiro” e que a razão que o leva a publicar é “o prazer imenso que [tem] em escrever e, como cidadão livre que [se] preza de ser, o direito humano de observar, discutir e criticar uma sociedade”. Muitas pessoas não terão gostado do retrato que o autor fez sobre a vida dura dos imigrantes portugueses no Canadá sonhando com um paraíso inexistente; outros não terão gostado da imagem que ele dá do país de origem, uma pátria que os obriga a abandoná-la e que nunca mais os recebe como filhos.

A minha primeira reação ao finalizar a leitura de Os Bastardos das Pátrias foi, como posteriormente verifiquei, semelhante à de outros leitores anteriores – achei que o autor tinha exagerado, pintando com cores demasiado negras os primeiros anos de adaptação dos portugueses às novas realidades, e criticado com demasiada dureza a sociedade canadiana daquelas décadas. Classifiquei-o como um saudosista, com sentimentos de nostalgia mórbida da pátria e, considerei muito especialmente, que o livro teria beneficiado de uma boa revisão antes de ser publicado. Passados alguns anos, porém, e após ter entrevistado muitos casais de pioneiros cujas histórias de vida faziam eco daquelas contadas por L. Gonçalves, reconheci que este homem, imigrante na década de cinquenta, foi pioneiro em usar a ficção para descrever os anos difíceis da chegada ao país.  Não exagerou, foi corajoso em expressar os seus sentimentos e os de muitos que conheceu durante os 30 anos que foi imigrante. Considero uma pena que o seu livro nunca tenha sido traduzido, apesar de muito empenho manifestado pelo autor.

Biogradia

Lourenço Rodrigues Gonçalves (1929 – 2002)

Terminou o curso da Escola Industrial em 1947. Jovem operário explorado, idealista e de ideias progressistas foi perseguido na época salazarista pela Polícia Internacional de Defesa do Estado (P.I.D.E.). Chega ao Canadá em 1957, na fase inicial dos movimentos emigratórios dos portugueses. Em Toronto, para onde imigra, deixando a mulher e um filho em Portugal, Lourenço Gonçalves é forçado a recorrer a vários empregos que, de modo algum, vêm ao encontro do sonho que o tinha trazido para o país. Frequenta a escola noturna para aperfeiçoar o inglês e acaba por completar o diploma da escola secundária. O gosto pela leitura e pela escrita, que já trazia consigo de Portugal, leva-o, desde os primeiros tempos o Canadá, a registar o que vê: as suas impressões sobre o novo país e sobre as pessoas que vai conhecendo. Publicou o romance Bastardos da Pátria em 1976,

Nos quase trinta anos em que viveu no Canadá – ele regressa definitivamente ao país de origem em Setembro de 1984 – L.G. revela-se um ativista comunitário polivalente. Colaborou  em jornais, fez trabalho de intérprete em hospitais, escolas e tribunais. Foi um dos fundadores da Escola do First Portuguese Canadian Club of Toronto e exerceu durante cinco anos o cargo de Director. Na mesma associação é também responsável pela secção cultural, funda a biblioteca, uma orquestra infantil, e dá especial atenção ao folclore e ao teatro.

Quando nos anos oitenta regressa a Portugal, vai doente e desiludido com o país em que muito tinha investido, física e emocionalmente. Tinha publicado o romance Os Bastardos das Pátrias em 1976, (em edição de autor e com uma tiragem de 3.000 exemplares) três livros de poemas: Versos e Poemas em 1977, Parti em 1980 e Porquê em 1985 e ainda um livro de contos, A História das Medalhas (1985). Em Almada, onde fixa residência, virá a publicar As Três Horas em que Perdi a Alma (1996), A Criança que Não Foi (1997), Uma Mina no Gelo (1999) e ainda A Minha Geração é Diferente da Nossa Geração (2002).

Manuela Marujo, Professora Emérita, Universidade de Toronto, Canadá

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