
Corria o ano de 2040. Vamos encontrar um Elon Musk já octogenário. Pensativo também. E tinha razões para tal, diremos nós.
Ele, que sempre se tinha preocupado em criar para a Humanidade uma opção de vida que apreservasse de catástrofes globais, via-se de momento impotente. Sim, uma impotência triste. Era assim que o fazia sentir-se o marciano que o visitara na véspera. Ah, a ingratidão não era só apanágio de humanos! Depois de tudo ter feito para que humanos e marcianos se entendessem, partilhassem ideias e vidas, aquela negação, o mesquinho que aquilo revelava da parte dos marcianos. Em boa verdade …, pois, em boa verdade… tinha que reconhecer que não se podia queixar de tudo.
E lembra-se : conseguira a concretização do sonho-maior. E que outra coisa poderia dizer da colonização que conseguira em Marte? E, mais tarde, do pequeno grupo de marcianos que ousaram fixar-se por cá (bem sabemos que temporariamente) neste nosso planeta a caminhar para o desgaste e a extinção?
Mas o esforço inaudito. A torrente imparável de dinheiro. As frustrações. E, tantas vezes, a estreiteza de vistas de quem nasceu para o conformismo do já estabelecido, os limites impeditivos do risco..
O grande salto dera-o ele, teve ele de o dar há dezasseis anos atrás, naquele ano fatídico de 2024. Um ano que ficará para a História como o da renovação da velha espécie humana em fase de enfraquecimento. Do grande sobressalto, da grande reviravolta na vida de alguns seres que habitam o Universo.
Missão espinhosa a do marciano, encarregado de negar a Musk o que ele pedia.
Longe vão os tempos das reciprocidades e da exaltação pela novidade, reconhece. Agora é cada um por si e Deus por todos, como os humanos gostam de dizer entre si. O acordado tinha sido que a empresa de Musk, a Neuralink, fabricasse as peças que se deveriam integrar, primeiro, no cérebro dos humanos (como era de toda a justiça) e depois no dos marcianos. Era uma medida de defesa espantosa para todos se defenderem dos robôs que proliferavam de forma assustadora e se queriam tornar senhores absolutos de tudo. Nada era demais para minimizar os perigos da I. A., e assim, juntando tudo o que essas máquinas robóticas têm àquilo que já possuíam os cérebros
humanos e marcianos, tornávamo-nos invencíveis. O mérito é todo do Musk, há que reconhecê-lo, mas…O grande mas é que o material de que ele precisa para fazer mais peças dessas, somos nós que o fornecemos (a Terra tem vindo a tornar-se cada vez mais pobre!) e nós recusamos dar-lho, porque achamos que sendo eles em maior número que nós, qualquer dia sabe-se lá do que são capazes….
Foi assim que o marciano negou a Elon Musk o dito material.
Ora, tivesse ele sido mais prudente e teria pedido logo de início maior quantidade, ou não deveria ele saber que havia sempre humanos a nascer e outros que tinham sido inadvertidamente esquecidos? Ah, o grande Elon Musk também tem falhas!
Assim ia divagando o marciano preparando-se para o regresso a Marte.
Foi quando deu pelo miúdo que o observava mesmo ali em frente. Nunca se cansavam de os observar! Tão inconvenientes estes terrestres! Se ao menos tamanha curiosidade fosse também apanágio da esperteza capaz de pôr os robôs no seu devido lugar sem se deixar dominar por eles. Mas isso. sim. O que se vê é o contrário e por aí os vamos vendo: robôs organizados, feitos senhores de tudo e todos .
Mas… atenção: que estarão para li a dizer aqueles? Oh, e ainda por cima, estes terrestres são dos que não sabem comunicar telepaticamente. Estou feito!
O aparelho esférico, todo iluminado por dentro e de paredes transparentes aguarda-o, ali suspenso e disponível.
__Mãe, mãe, vem ver! É um marciano que nos vem visitar!
E pronto, já não se livra desta. Segue-se a costumada excitação. O habitual rebuliço. E nem pensar em lhes virar costas, seria pôr em perigo o bom relacionamento de ambas as partes, obtido a tanto custo. E dispõe-se a tudo. Vindas da casa ao lado, deparo com duas mulheres, vestidas com o espalhafato habitual. E como se não bastasse, aparece também um homem. Saberão estes humanos que eu, marciano em missão de paz,
percebo tudo o que eles dizem?
_O que o trará por cá?, nunca sei se lhes devo oferecer a casa, tratá-los como uma visita especial, queme dizes João?
_ Digo que o deixes em paz. Se fosse um robô, isso sim, terias, teríamos de nos precatar. Este é inofensivo, quem sabe,talvez nos queira dar boleia até Marte. Eu gostei daquilo que por lá vi aquando da excursão do verão passado.
_ Olha que não são completamente inofensivos, estes extraterrestres. Então esqueces-te que eles estão sempre a trocar mensagens com Suas Excelências, os Robôs? E que tanto uns como outros. nos invejam porque, apesar das muitas tentativas, eles nunca conseguiram atingir estados afetivos tão intensos como nós? Que triste deve ser viver sem capacidade para sonhar, sem o esplendor das visões que os sonhos alimentam e que tantas vezes fazem de nós génios!
_ Meninas, deixem-se disso, aposto que ele nos está a perceber, apesar daquele ar ausente e das pantominas que faz ao André.
Mas as mulheres ignoram-no (ou não fosse por demais conhecida a teimosia das humanas).
O nosso mal foi darmos demasiado poder aos robôs. Cheio de razão andava o Elon Musk quando dizia que “criar a I. A. é convocar o demónio”. Não exageremos, o poder da técnica também nos trouxe vantagens: atualmente podemos viver até
aos duzentos anos!
_ Ora, querem-nos vivos para os servirmos.
_ Quanto a eles, têm o enorme privilégio de poderem escolher quando lhes apetece morrer. ….Que mais quererão ainda estes sujeitos?.
É óbvio que lhes demos demasiado poder. Enquanto Elon Musk alardeava aos quatro ventos que a I. A. era a “maior ameaça à Humanidade”, nós fazíamos orelhas moucas. E se alguém ousasse manifestar receio, chamavamos-lhe velhos” e alérgicos ao progresso. _Tudo começou com as vagas de imigrantes que nos desabaram em cima. Essa gente vinha carente de tudo. Os robôs viram ali uma oportunidade e começaram a aplicar a sabedoria recebida dos humanos nestes desgraçados que vinham à procura de uma vida melhor. E depois nunca mais pararam (melhor teria sido mandá-los para o Ruanda).
_ Pois, e agora é o que se vê: um mundo robotizado que até nos ultrapassa em número. Como deixámos que isto acontecesse?
-Aquele ano de 2024 foi decisivo. Sobretudo com Trump de volta ao poder… a fazer cedências ao imperialismo russo…
_ …e guerra total às fronteiras abertas. Mas vê lá se com essa medida se deixou dominar pelos robôs… .
, Andamos a depender de marcianos e e a aceitar as leis que nos impingem os espertalhões dos robôs. E dos Brics, uns canalhas que andam sempre a ameaçar-nos com a energia atómica. É por isso que não tenho a certeza se quero viver até aos duzentos anos…
Quanto a mim, o marciano, o estranho nesta Terra que é deles, acho por bem dar por terminadas as brincadeiras com o miúdo, embora nos estivéssemos a entender. Que deprimida anda esta gente!.E no entanto, continuam a resistir a uma vida segura no nosso planeta. Andamos a pôr a sabedoria marciana ao serviço deles. Que mais querem? Que mais podemos fazer por eles?
Mas eis que quando começa a dirigir-se ao transporte de regresso a casa, é surpreendido pelo aparecimento de nova personagem. E que bem disposta esta vem! É uma mulher de uma certa idade que se põe a dançar quando alcança o grupo. Deveras surpreendentes estes terrestres!
Inventei uma nova canção de aniversário! Quero festejar os meus 84 anos de forma
pessoalíssima, sem andar a imitar outros! Mas alto lá, não quero ver caras de enterro à minha volta.
Merecíamos outra vida e não esta que deixa muito a desejar?Pois merecíamos. Mas alguma vez fomos felizes a cem por cento? Contentemo-nos com o robô presidencial que nos calhou e não levemos a mal o poder que ele concentra transferido do primeiro ministro que, ao menos esse , é humano. Bem sei que há uma coisa que tem perdurado através dos tempos: o afastamento das mulheres, quer humanas quer robotizadas, dos
cargos principais. Mas não esqueçamos que estes robôs herdaram muito de nós, humanos. Queixas para quê? Podia era ser mais afetivo este nosso mundo robotizado: tenho saudades de um certo presidente da república que distribua afetos e abraços sem nunca se cansar. Sim, era esse, o das fotos. Mas…meusqueridos, só agora me apercebi (ai, que deixei atrás os óculos) que é que faz ali aquele balão luminoso… e aquele vulto que se move? Serão os nossos amigos marcianos? oh, mas que pena, está já a …pronto, foi-
se. Perdi uma oportunidade para lhes fazer umas quantas reclamações. E lhes dar alguns conselhos.
Foi assim que me livrei de conversas comprometedoras. Não agora que acabo de deixar atrás um rotundo NÃO. Mas até ́tínhamos às vezes conversas animadas porque esta humana faladora tem o dom da telepatia e eu gostava de a ouvir naquilo a que ela chamava de “sugestões”. Ou então de como tinha sido viver em tempo pandémico e de como tinha explodido uma terceira guerra mundial. O mal destes humanos é a falta de solidariedade entre si. E falam eles em sentimentos. Já deviam era estar preparados
para o que,em tempos passados, antecipou um deles: :um extraordinário desenvolvimento tecnológico que iria mudar profundamente o mundo.
Maria Luísa Soares
escritora
Se ainda não leram o excelente romance da escritora Maria Luísa Soares, sugerimos que o faça. Um belo livro.

Agradecemos à Luso-American Education Foundation o seu apoio a Filamentos e a todos os projectos do PBBI-Fresno State.
