
Antes que a cidade morra é o título do segundo romance de Deodato Rodrigues no qual, o Funchal, a primeira cidade lusa do mundo Atlântico é a protagonista.
Através de Pedro Damião somos guiados pelos becos e ruas deste lugar onde outrora a vida se fazia à babujinha do calhau, sempre com o olhar pousado no horizonte – essa espécie de bainha que coze o céu ao mar e que alimenta a esperança e o sonho de todo e qualquer ilhéu.
A ilha – esse território consagrado por Deus aos homens bons é aqui retratada na sua multifacetada condição: casa-casulo-maldição ou paraíso-desejo-evasão. Se por um lado os habitantes sentem na pele a dureza da distância, do isolamento, a voracidade da montanha e a fúria do mar, os forasteiros chegam entusiasmados, sentindo-se verdadeiros aventureiros prontos para explorar o exótico, cedendo à beleza e ao pitoresco. Porém, o quotidiano das gentes, sobretudo os mais carenciados, faz-se de uma luta constante pela sobrevivência e por estas páginas passam histórias, algumas ficcionadas outras reais, procurando-se revisitar uma época, um lugar e um povo. Por estas páginas perpassam alguns dos acontecimentos mais marcantes nomeadamente a construção do porto do Funchal, a destruição do Pilar de Banger, a aluvião de 1926, o ataque dos submarinos alemães, o desastre do yacht de Passos Freitas, as excursões da Kraft durch Freude, a II guerra e os refugiados de Gibraltar.
O dia a dia da zona velha – onde se fixou o primeiro povoado, à volta da antiga ermida de Nossa Senhora do Calhau- sobressai neste enredo sólido e consistente e à volta do qual se constrói uma narrativa simples e cuidada que prende o leitor do princípio ao fim da obra.
O calhau, as canoas e o arsenal, o cais e o Pilar de Banger ilustram o pulsar desta vida marítima, de gentes de pé descalço e pão com molho cuja subsistência dependia da chegada de navios e de turistas. Todavia, e enquanto os dias se seguem uns atrás dos outros numa esperada monotonia, a cidade fervia com as alterações políticas e sobretudo com a conjuntura internacional que não tendo impacto directo na vida dos madeirenses, condicionava, no entanto, o desenvolvimento da cidade. Assim, e através de João de Araújo, um self-made man, e outras personagens que encarnam algumas figuras bem conhecidas da nossa praça somos confrontados com estas mudanças sociais e económicas ao mesmo tempo que desvendamos os círculos culturais e políticos de uma capital atlântica que vê com bons olhos o papel das comunidades estrangeiras residentes, nomeadamente a inglesa e a alemã.
Nesta viagem pelas primeiras sete décadas do século XX e acompanhando a história de vida de Pedro Damião cheia de contratempos, amores e desamores, revela-se também a saga de todos os ilhéus forçados a emigrar em busca de melhores condições de vida, uma realidade que marcou profundamente a nossa sociedade.
Mais que um romance, Antes que a cidade morra é um tributo ao Funchal, essa cidade que se ergue anfiteatro acima e cujo fascínio é incontornável. Agradecemos por isso ao Deodato Rodrigues pela obra agora apresentada, mas sobretudo pela capacidade de traçar um retrato fidedigno e apaixonado que, estamos seguros, irá agradar o leitor.
Cláudia Faria, escritora (Porto Santo)
