
O ALFERES AGRONOMO
Quando o meu Pai1 terminou o curso de Agronomia em Lisboa, foi convocado para um ano de tropa para terminar o serviço militar obrigatório. Já tinha feito dois ciclos de instrução como aspirante a oficial miliciano durante as férias académicas, em Vendas Novas e Cascais, mas agora tratava-se da promoção a alferes. No entanto, o cumprimento daquele dever cívico foi adiado em consequência da decisão de voltar para Moçambique para trabalhar na cultura do cafeeiro em Inhambane.

Mas em 1955, seis anos depois e já com dois filhos, recebeu nova convocatória, desta vez por seis meses, para a tal promoção a alferes. A minha Mãe aproveitou para vir a Portugal apresentar os filhos aos pais enquanto o marido voltava à vida de aspirante a oficial, a ensinar praças para serem promovidos a cabos.
Mas a agricultura cafeeira não podia esperar e o meu Pai resolveu convencer o comandante da importância do café para Moçambique e da necessidade de ir ao Gurué, na Alta Zambézia, escolher uma parcela de terreno e nela implantar uma estação experimental de arábica. É certo que a autorização superior acabou por depender mais do trabalho do agrónomo no melhoramento dos ajardinamentos do quartel, mas para a História colonial ficou registado o contributo do Exército para o desenvolvimento da cultura do café em Moçambique.
E assim o nosso aspirante arranjou uma forma inovadora de cumprir o serviço militar: no Gurué, a produzir e distribuir sementes de arábica aos fazendeiros, a mais de 1800 km do quartel em Lourenço Marques. A questão só se complicou quando, passados os seis meses, teve de prestar provas perante oficiais do Estado-Maior. Descontando a matemática do tiro de artilharia que tinha aprendido quase dez anos antes na instrução em Cascais, o nosso aspirante pouco mais sabia da faina militar do que dar ordens à companhia com voz forte e enérgica.
Os seus superiores decidiram então que tinha de aprender, pelo menos, a desmontar e montar uma pistola de guerra de utilização comum. Para isso teria de receber, e recebeu, instrução intensiva de desmontar e montar a pistola.
E no dia marcado lá apareceram no quartel os oficiais do Estado-Maior que, por coincidência, mandaram fazer o que tinha aprendido nos últimos dias! Foi um sucesso, logo a seguir confirmado com uma sessão de ordens gritadas com toda a força!
Aprovado, foi promovido a alferes e concluiu a brilhante prestação de serviço militar no Quartel da Carreira de Tiro de Lourenço Marques, a capital da Colónia.
Voltou à cultura do racemosa e do arábica até 1959, quando em Quelimane foi proibido de continuar a trabalhar no café. Superiormente foi declarado que a Colónia de Moçambique não dava café, só chá!
Mas estas são contas de outro rosário…
1 Aníbal Jardim Bettencourt, nasceu em Lourenço Marques, actual Maputo, Moçambique, em 6 de Junho de 1924. Engenheiro agrónomo e doutor em Agronomia pelo Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa, aposentou-se em 1992 depois de uma longa e intensa carreira profissional. Faleceu em 16 de Setembro de 2015, em Cascais.
