No Lançamento de CAMÕES NA VOZ DE POETAS AÇORIANOS 1524-2024 em Ponta Delgada, Açores

Como não prestar tributo a «um dos quatro génios supremos da poesia» – nas palavras do formidável e indispensável camoniano Frederico Lourenço, trazido a esta antologia pela pena do editor e co-autor, o poeta Henrique Levy? Como não chamar a atenção para este centro agregador da poesia, do pensamento e da dor poética de Camões, que somos nós aqui, hoje, numa outra Insula Divina, ao mesmo tempo que é trazida ao público a antologia camoniana, uma edição da conceituada NonaPoesia, com um estudo introdutório, da autoria de Henrique Levy, que não se fica pelas leituras e pelas análises de superfície da poesia lírica e épica do autor que evocamos, antes, convoca os inconscientes absolutamente indispensáveis à construção de um conhecimento integral, desassombrado, o único ao alcance de uma poesia-morada do símbolo e de uma constelação estilística superior que resulta do aprendizado, isto é, do respeito pelos seus Mestres?

Hoje, em Portugal, estão a decorrer dois acontecimentos públicos que muito honram a Suprema, a Verdadeira Poesia e o Mestre, esse nome Maior da Língua, da Literatura, da Cultura Portuguesa e da nossa Lusofonia- Luís de Camões: de Frederico Lourenço, a chegada às bancas da sua tão aguardada antologia com algumas passagens de Os Lusíadas e de Rimas, naturalmente, profunda e ousadamente comentadas pelo investigador.

Quanto ao que nos diz respeito, aqui, nesta outra Insula, deve-se a Henrique Levy, a ideia essencial de convocar os poetas, Natividade Ribeiro, João Pedro Porto, Daniel Gonçalves, Carlos Bessa, Manuel Tomás, Álamo Oliveira, Ângela de Almeida e o próprio editor-poeta, para um tributo à obra poética de Luís de Camões. Porquê? Ninguém melhor do que um poeta sabe o que é escrever sob o manto da fortuna, da cobiça, do «desconcerto do mundo», da vil ignorância, e ninguém, melhor que um poeta, sente a dor do coração que ressuscita e transfigura as sílabas e os vocábulos no deserto dos ribeiros e dos rios e dos mares onde os deuses criam impérios de esperança, à margem da ambição desmedida, da colonização de povos, de ideias, de credos, de outras formas de colorir a pele, de exaltar o amor, as línguas, consciente que a poesia, nunca sendo um exercício fácil, necessita da vocação humilde de quem a quiser escalar: «O autor que canta, num extraordinário épico, os heroicos feitos de Portugal, também vaticina que a chegada dos portugueses, a terras de além-mar, subjugou as civilizações encontradas» (Levy, 2024:21), «podendo (trans)ler-se n´Os Lusíadas a denúncia da ausência de empatia dos responsáveis políticos do reino de Portugal em relação ao outro, ao demonstrar aspereza e rudeza, a ausência de um sentimento essencial de interculturalidade, quando a cultura portuguesa é forçada a conviver com outras civilizações». (Levy, 2024: 22).

O ensaio de Henrique Levy, que abre esta antologia, não é uma mera introdução à obra, antes, um estudo esmerado e atualizado da obra poética de Camões, na senda de importantes contributos científicos que nos têm chegado, nomeadamente o de Frederico Lourenço, já aqui nomeado. Inclusivamente, Levy chama a atenção para um aspecto fundamental da literatura pós Camões, afirmando que «a permanente tensão poética da obra de camões alterou os critérios do destino literário de Portugal…». (Levy, 2024: 9). E porque é poeta, estudioso do texto poético, traz-nos a universalidade da poesia camoniana, que sincrónica e diacronicamente convoca o mundo para o fazer poético e «altera a visão do mundo». Não se ficando por aí, dá a conhecer poetas renascentistas contemporâneos de Camões, como é o caso de Joana da Gama e de Soror Mesquita Pimentel, duas referências que merecem uma leitura atenta neste estudo introdutório, e salienta a internacionalização da obra de Luís de Camões e a sua evocação, anualmente, a 10 de Junho.

Para mim, como co-autora do tributo, esta antologia constitui, pela diversidade dos seus contributos, um documento indispensável para pôr termo à alguma racionalidade matemática na abordagem ao nosso Poeta Maior: Luís de Camões merece ser lido por dentro de cada sílaba e de cada palavra e a toda a amplitude do seu ecletismo poético, onde se aloja um pensamento estilístico simbólico absolutamente Superior, capaz de traduzir os mais épicos e os mais vis sentimentos da humanidade.

Curiosamente também hoje, neste dia de si mesmo épico, por várias e profundas razões, uma jovem estudante acaba de concluir uma tese de mestrado sobre a poesia de Mariana Belmira de Andrade, uma voz feminina superior da constelação poética açoriana, fortemente influenciada pela arte poética de Camões e dos seus Mestres e pares, resgatada por Henrique Levy.

Que em Camões saibamos ler a «autognose» (Eduardo Lourenço, Lourenço, 2005: 85) do nosso país, o desamparo e a solidão imensa do poeta, o profundo desencanto e a desmesurada tristeza nesta poesia Elevada, esteio que mereceu a anuência dos deuses, das fontes, dos oceanos, da Língua Portuguesa.

Texto de Ângela de Almeida, poeta e investigadora

Referências Literárias

Levy, Henrique e outros (2024). Camões na Voz dos Poetas Açorianos,1524-2024 (2024). Henrique Levy, coord. e estudo introdutório. Ponta Delgada: NonaPoesia.

Lourenço, Eduardo (1949). Heterodoxia I. Lisboa: Gradiva (2005).

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