
O Teatrinho regressa após uma década. O que leva o grupo a voltar aos palcos?
Este regresso é fruto de uma encomenda em tom de desafio. “Conheces Maria Ramos? Achas que poderias levá-la a cena?” A minha resposta foi com uma pergunta: “Quem é Maria Ramos?”. Explicados todos os pormenores que enquadram a vida desta fantástica terceirense, logo aceitei e me entusiasmei. Depois, acho que era este o estímulo que eu precisava. Quando, há cerca de 15 anos, o Álamo Oliveira me pediu para assumir o Alpendre, eu continuei com o Teatrinho em paralelo, mas acabei por descurar a sua atividade e envolver-me apenas da exigente tarefa que é gerir o Alpendre. Depois, há seis anos, entendi afastar-me da produção teatral, ficando sempre uma sensação de faltar alguma coisa. No último ano e meio fui alimentando a ideia de que em breve voltaria, e este desafio de Maria Ramos era tudo o que eu necessitava, até porque há 22 anos a Filomena Ferreira fazia o seu primeiro papel como gaivotinha na peça do Teatrinho “A história da gaivota e do gato que a ensinou a voar” e agora é ela a atriz que veste a pele de Maria Ramos, nesta retoma do Teatrinho que, entendemos, terá continuidade.
A peça é “Maria por entre Ramos de ciência e arte”. Como foi escrever e encenar este espetáculo?
A escrita do texto obrigou a um trabalho de pesquisa. Não sabia muito sobre a vida dela, das mulheres no sec. XX não se sabe muito. Tive o apoio de algumas pessoas, entre elas Miguel Ferreira, Isabel Amorim, Paula Contenças, Maria Conceição Abreu e Arminda Magalhães, que me enviaram informações, como matrículas no liceu, autocaricaturas, pequenos apontamentos biográficos. Foi muito importante uma reunião por zoom que fiz com duas investigadoras, Paula Contenças e Maria Conceição Abreu, que me falaram, sobretudo, da vida dela junto do marido, Manuel Valadares, uma importante personalidade nacional. Depois foi criar uma história entre ramos de ciência e arte e perceber as dinâmicas de uma personagem tão interessante como ela. Após o texto estar pronto, bastou entregá-lo à Filomena Ferreira, uma atriz absolutamente fantástica, que logo coloriu o texto e deu vida à personagem. Quando se trabalha com gente como a Filomena Ferreira e o Pedro Santos, que fez a técnica e a produção, tudo se torna mais fácil, porque é um prazer, não um trabalho.
Quais são as particularidades da vida de Maria Ramos, artista plástica terceirense?
Acho que a palavra pioneira resume muito bem a sua vida, mas, também, palavras como resiliência, coragem, inteligência, teimosia, enfim tudo o que uma mulher precisava para vingar num mundo de homens nas primeiras décadas do Sec. XX. Foi artista plástica, fez cenários de teatro, publicou desenhos e caricaturas nos jornais, esculpiu bustos, mas outros também o fizeram, só que ela foi, nas primeiras décadas do sec. XX, sozinha para o Porto, estudar Belas Artes e também História de Arte e ainda trabalhar num atelier. E, depois, fazer formação, sempre sozinha, em Paris em Berlim, onde acabou por se encantar pela física. Estudou, ainda, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa em Ciências Biológicas. E a partir daí desenvolveu um relevante trabalho na área da genética que, tantas décadas depois, ainda é citado. Enfim, Maria Ramos, apesar de pouco conhecida, tem uma vida tão rica que nos toca pela energia, resiliência e, sobretudo, pela sua relevância no campo da genética.
É uma reflexão, também, sobre o lugar da mulher, dado que o dela não era limitado, estendendo-se também à ciência?
Uma das marcas que Maria Ramos deixou, foi o seu “pelo na venta”, a sua resiliência, a sua “teimosia”. Esses traços de personalidade permitiram-lhe trabalhar num universo onde as mulheres dificilmente o faziam e a sua inteligência, coragem e capacidade permitiram que o seu trabalho ainda hoje se considere relevante, seja nas artes plásticas, seja, sobretudo, na ciência. Numa época em que as mulheres eram relegadas para posições de espetadoras, ela foi protagonista, ela desenhou um caminho próprio. Como já disse, ela foi pioneira.
Houve sessões para alunos. Quais foram as reações a este tema pelos mais novos?
O espetáculo teve três apresentações para alunos do ensino secundário da Escola Secundária Jerónimo Emiliano de Andrade, que é parte integrante deste projeto, uma vez que ele foi lançado em parceria com esta escola. As reações da plateia jovem foram muito boas, percebendo-se que a história desta mulher os surpreendia e quando a história cativa os jovens, eles aderem. No final, muitos vieram conversar connosco. Percebeu-se naquela audiência jovem o interesse por esta mulher terceirense.

in Diário Insular, José Lourenço-director
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