Plano de Fuga-livro de poesia de Pedro Gomes-entrevista sobre a poesia, a politica e os Açores

Correio dos Açores – “Plano de Fuga” é o título do seu livro de poesia a lançar esta Quarta-feira no Teatro Micaelense. Porquê esta designação?
Pedro Gomes – O título remete para um poema sobre o amor que consta no livro, em que o verso final refere que não há plano de fuga para o amor. “Plano de Fuga” enquadra também esta obra com a belíssima fotografia de um grande fotógrafo português, Daniel Blaufuks, a janela entreaberta, em que se adivinha o que está do outro lado, uma mesa despojada do lado dentro de uma casa. No fundo, o título acaba por ser uma síntese da poesia, uma poesia de geografia, de sínteses, de percursos e de silêncio, aliás como são sempre as propostas que os poetas oferecem aos seus leitores.

Os poemas parecem ser algumas memórias, registos, desabafos, encontros e desencontros no silêncio que fala…
Quando um poeta escreve, publica também uma parte de si próprio. Há sempre uma parte de nós no que escrevemos, na poesia e na literatura em geral. Os poemas são, posteriormente, entregues aos leitores e cada leitor, em cada poema, vai descobrir uma forma de interpretar o que o poeta escreveu.
Considero que esta desconstrução de linguagem, que acontece quando ao ler a poesia, é também um dos processos poéticos. O poeta, no momento em que escreve, desconstrói a linguagem e reconstrói-a ao fazer a sua poesia. No meu caso, uma poesia de precisão de palavra, da palavra trabalhada e enxuta, de versos muito curtos e de poemas que têm só dois versos, mas com uma mensagem a transmitir. Cada leitor de poesia vai escolher a sua mensagem. Perante um poema, é possível que três leitores distintos tenham três interpretações diferentes. Considero que uma parte da beleza da poesia se encontra justamente aí.

Este “Plano de Fuga” é a própria poesia em si, é a vida a acontecer…
É vida e poesia na sua essência. Esta é uma poesia de geografias, de lugares, de percursos, de memórias, de sentimentos, de paixões, de amor, de desejo, de relação com os meus filhos, da memória dos meus avós, em particular do meu avô materno, conhecido como Francisco Luzia, que foi baleeiro e que vivia nas Lajes do Pico, um lugar onde está o meu coração. Nesta dimensão, é um pouco de mim que está neste livro de poesias. Tudo o resto caberá a cada leitor descobrir e redescobrir na sua interpretação.  

Principalmente “Habito palavras que não escreverei”, um dos poemas do seu livro, em que se diz muito e se diz nada, e que se diz tudo… Neste caso, a procura é aquilo que não escreveu…
É também a procura daquilo que o poeta escolheu não escrever. Sou um homem da escrita. A minha vida define-se por palavras, como advogado na escrita jurídica, na crónica ou na coluna da imprensa diária, no comentário político, na actividade política, mas ainda estou a habituar-me à designação de poeta. Nessa medida, esse é um processo de singular de aprendizagem e de descoberta.

Como é que o homem político e da comunicação espera a receptividade do público para esta sua nova faceta?
Com curiosidade. Devo muito a Emanuel Jorge Botelho, um grande poeta português que vai apresentar o livro amanhã (hoje) e que insistiu muito comigo para publicar. Devo, também, muito a Maria Helena Frias, editora da Artes e Letras, que me incentivou a publicar, e que também acolheu e quis publicar o livro. Há sempre uma certa incerteza e angústia no lançamento do livro que se prende com a expectativa quanto à reacção do público, dos leitores, da crítica dos especialistas em literatura sobre a poesia.
Escrevi o que quis e gosto muito do que escrevi. Um escritor não escreve para os leitores, escreve porque quer e escreve para si. No entanto, espera uma boa receptividade do público e uma crítica positiva ao seu trabalho. Creio que isso é fundamental para que outros projectos possam surgir ou, por outro lado, para acabar com a carreira de poeta. Espero que isso não aconteça.

Deve ter muitos outros poemas em espera…
Hoje escrevemos todos para uma gaveta electrónica, embora muitos poemas sejam escritos à mão, ainda com uma caneta permanente, que é como eu gosto de escrever poesia. Tenho muitos poemas já escritos, os quais reescrevo e regresso ocasionalmente. A poesia também se desconstrói dessa maneira. Quando regressamos a um poema passado algum tempo, encontramos significações diferentes e interpretamo-lo de uma forma diferente. Muitas vezes, o autor regressa e reescreve o poema, por considerar que há um verso que já não tem a configuração que devia ter, que há uma palavra que está a mais ou outra que falta. Por vezes fico dias, ou até mesmo semanas, à espera de uma palavra para reescrever um verso. É um processo lento, trabalhado, de precisão e de escolha muito rigorosa das palavras. A minha opção por poesia livre, por um verso mais curto, acarreta outra exigência de escrita, pelo que temos de ser mais enxutos nas palavras.

Este é também um momento de pensamento para um regresso à política?
Como diz o meu bom amigo Marques Mendes, eu sou um político fora do activo. Sou membro da Comissão Política Regional do PSD com muito gosto, cumprindo o meu mandato até ao próximo Congresso que se realizará dentro de pouco tempo nos Açores para eleger novos Órgãos Regionais. Estou disponível para contribuir sempre para o meu partido e porque uma parte da minha vida é feita de actividade política. Por enquanto, estou muito confortável na posição de membro da Comissão Política Regional, dando o contributo que o meu partido pede nesta matéria do dia-a-dia político ou em tarefas muito específicas, como aconteceu com a Revisão Constitucional, na qual o PSD-Açores se empenhou, no plano regional à Assembleia Legislativa, assim como na elaboração da proposta da Revisão Constitucional que o PSD apresentou na Assembleia da República e que está em discussão na Comissão Eventual da Revisão Constitucional.

Não respondeu à pergunta. Há quem defenda que deve regressar à política activa… Sente isso?
Isto é fruto da generosidade dos meus amigos e das pessoas que me apreciam. Estou disponível sempre para dar o contributo que o Dr. José Manuel Bolieiro, Presidente do PSD, entender que devo dar em cada momento. Aliás, como é normal num militante de um partido que tem de estar disponível para as tarefas que o seu partido e que os líderes pedem.

Como vê a crispação entre os partidos actualmente?  
Vivemos hoje uma realidade diferente que resultou das últimas eleições regionais. Temos um Governo de coligação que vai a caminho do terceiro ano de legislatura e um Governo de coligação que, contra todas as expectativas, está a cumprir ¾ do seu mandato.

Embora tenha havido alguns apoios que foram rasgados?
A verdade é que esse Governo tem conseguido governar os Açores, adoptando algumas políticas de mudança e de ruptura política nos Açores e trazendo novidade à vida política regional.
Este é um Governo que tem uma maioria parlamentar assente nos três partidos que formam a coligação e também com o apoio parlamentar do Chega, já que a Iniciativa Liberal rasgou o apoio. Contudo, isso não tem impedido que grandes opções do Governo tenham sido aprovadas. Brevemente, vamos ter um momento muito importante e crucial, nomeadamente o Orçamento e o Plano para 2024. Este é um momento de definição política.

Pode conduzir também a um cenário de eleições antecipadas…  
Temos um Governo que oferece estabilidade aos Açores e quem provocar instabilidade terá que viver com as consequências. Os eleitores, em eleições livres e democráticas, farão o seu julgamento e decidirão se querem privilegiar a instabilidade ou a estabilidade. Neste momento, há um risco enorme para os Açores se for criado um cenário de instabilidade. Estamos numa altura em que ainda vivemos as consequências da guerra na Ucrânia e da espiral inflacionista. A denúncia do acordo pela Rússia para permitir o transporte e o abastecimento de cereais da Ucrânia para os mercados internacionais já fez disparar o preço dos cereais no mercado internacional. Isso vai ter consequências imensas no preço dos cereais em todo o mundo e nos Açores. Vamos assistir novamente a uma subida de preços, infelizmente.
Estamos num momento crucial para a aplicação dos fundos que vêm do PRR e do quadro comunitário de apoio. Estas circunstâncias aconselham a que se mantenha a estabilidade política, que é essencial para haver governabilidade e, sobretudo, para que o Governo possa continuar a manter um conjunto de políticas de natureza social, de crescimento económico, de diminuição dos impostos, que têm sido opções constantes desta administração.
Não é possível pensar que uma instabilidade política provocada por um capricho vá fazer bem aos Açores. Antes pelo contrário, uma instabilidade política gerada com eventual não aprovação do Orçamento Regional prejudica claramente o desenvolvimento dos Açores. Creio que nenhum partido ou político responsável quererá provocar esta instabilidade.

A nível regional, tem que haver algum equilíbrio para que estas forças se possam manter no poder. A nível da República, nota-se algum desfasamento na relação dos Açores. O Estado não está a cumprir com as suas obrigações. Que leitura faz?
O Estado está a fugir ao cumprimento das suas obrigações para com os Açores e com a Madeira. Segunda-feira assistimos a uma reunião importante entre o Presidente do Governo Regional dos Açores e o Presidente do Governo Regional da Madeira, com o professor Paz Ferreira, que vai liderar um grupo de trabalho que vai preparar um projecto de revisão da Lei das Finanças Regionais. Nesta reunião, tanto Miguel Albuquerque como José Manuel Bolieiro voltavam a acentuar este aspecto. Há um incumprimento de obrigações do Estado para com os Açores. Aliás, o Presidente do Governo Regional, no Dia dos Açores, fez questão de dizer isso no seu discurso. O Governo da República continua a dever à Região 56 milhões de euros, relativos ao financiamento para acorrer aos estragos provocados pelo furacão Lorenzo. O Governo da República ainda não lançou as obrigações de serviço público do transporte aéreo, obrigando a um esforço financeiro da SATA ao manter as ligações para três destinos dos Açores. O protocolo assinado pelo Sr. Ministro Manuel Heitor, na altura Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, com financiamento para a Universidade dos Açores continua por cumprir. Há um conjunto de obrigações que o Estado não cumpre por decisão do Governo da República, da responsabilidade de António Costa.
Isto significa que António Costa não está a querer cumprir as obrigações para com os Açores e que Vasco Cordeiro, líder do PS Açores, não tem capacidade de influência junto de António Costa, para que o líder do PS a nível nacional e Primeiro-ministro cumpra as suas obrigações. Isto é uma política de “terra queimada” com um objectivo claramente político: impedir que os Açores tenham recursos financeiros, pensando que esta é a melhor maneira de virar o jogo partidário, para que o PS possa, eventualmente, ser beneficiado nas próximas eleições. No entanto, esquecem-se que isto está a prejudicar o desenvolvimento dos Açores e está a exigir um esforço financeiro muito grande da Região, o que tem reflexos noutras matérias da governação porque o dinheiro não estica e não chega para tudo.

Considera que é altura de acabar com o Representante da República neste contexto e neste cenário que se vive de alguma fricção entre os Açores e a República?         
O papel do Representante da República, neste cenário de fricção, é nenhum. Pela natureza das suas funções, ele já não representa o Estado na Região desde a última revisão constitucional. Não tem esta função constitucional. Além disso, como o tempo tem vindo a demonstrar, a figura do representante da República é uma figura inútil no quadro da relação entre os Açores e a República. Como se faz para eliminar o representante da República ou substituir por outra figura é uma velha discussão jurídica, política e jurídico-constitucional. Há várias soluções e teses mas, pessoalmente, continuo a gostar da ideia de que o Representante da República deveria ser substituído por um Presidente dos Açores, escolhido pelos açorianos em eleições livres e democráticas. Este faria o papel que hoje cabe ao Representante da República na assinatura dos diplomas regionais, na indigitação do Presidente do Governo e na nomeação dos membros do Governo.

Nesta leitura política, como é que o advogado acompanha o político e vice-versa? Como coabitam os dois?
Política e Justiça não se devem misturar em nenhuma circunstância e não se misturam na minha vida. Sou advogado e sou também um homem com intervenção cívica, política, que escreve e comenta, sendo que mantenho estas duas realidades em compartimentos separados. Não deixo de olhar para as grandes opções da Justiça, do ponto de vista legislativo, com olhar de advogado e de político.
Procuro defender boas soluções do ponto de vista político para a arquitectura da justiça portuguesa. Por exemplo, sou defensor há muitos anos de uma solução, que o nosso parlamento aprovou há pouco tempo e que já está na Assembleia da República, que passa pela criação de um Tribunal da Relação nos Açores. Considero que esta solução deve ser adoptada rapidamente, pois permitiria uma justiça de segunda instância, mais próxima e mais rápida, além de que há movimento processual que justifica a criação, instalação e funcionamento deste tribunal. A administração da justiça, a economia dos Açores e os cidadãos em geral, que vão aos tribunais procurar e pedir justiça, ganhariam muito se tivéssemos um tribunal de segunda instância, o Tribunal da Relação nos Açores. Este é um daqueles pontos em que a visão também se manifesta na arquitectura da administração da justiça.   


                          

Nélia Câmara /C.P.

Entrevista no Correio dos Açores, frita pela distinta jornalista Nélia Correia. O Correio dos Açores é dirigido por Natalino Viveiros. Apresentada aqui no FILAMENTOS–artes e letras na diáspora açoriana-Bruma Publications -PBBI-Universidade Estadual da Califórnia, Fresno-Califórnia.

Leave a comment